quarta-feira, 11 de maio de 2016

A Guerra do Cordeiro


– por Brian Zahnd, em 08/05/2016 
(trad: Robson Lelles)

Aqueles que querem agarrar uma visão primitiva de um Deus violento e vingativo costumam citar a passagem do cavaleiro branco do Apocalipse. Eles dizem algo como: "Jesus veio a primeira vez como um cordeiro, mas ele está voltando pela segunda vez como um leão." (Apesar do fato de que nenhum leão é visto em alguma passagem do Apocalipse - o leão é o Cordeiro!) Por isto, querem dizer que o Jesus não violento dos Evangelhos vai se transformar no que eles fantasiam ser o Jesus hiperviolento do Apocalipse.

Infelizmente, os defensores desta interpretação falha parecem preferir o seu Jesus violento imaginado do futuro sobre o Jesus não violento dos Evangelhos. Em um nível básico, eles essencialmente veem a Bíblia dessa forma: Depois de uma longa trajetória longe da violência divina do Antigo Testamento, culminando em Jesus renunciando à violência e chamando seus seguidores a amar os seus inimigos, a Bíblia em suas páginas finais abandona uma visão de paz e não-violência, como última instância inviável e fecha com o retrato mais vicioso de violência divina em toda a Escritura.

Nesta leitura de Apocalipse, o caminho da paz e do amor que Jesus pregou durante a sua vida e aprovado em sua morte, é rejeitada pela desgastada fórmula de guerra e violência. Quando literatizamos as imagens militares do Apocalipse, chegamos a esta conclusão: No final, até mesmo Jesus desiste do amor e rende-se à violência. Tragicamente, aqueles que se recusam a abraçar o caminho da paz ensinado por Jesus usam a guerra simbólica do Apocalipse 19 para silenciar o Sermão da Montanha.

Este tipo de hermenêutica tem implicações desastrosas; silencia a mensagem de paz e perdão de Jesus. Quando literatizamos as imagens irônicas e simbólicas empregadas por João em Patmos, ilegitimamente usamos Apocalipse para dar licença para nossa própria violência infernal. Nós racionalizamos: se Jesus vai matar duzentos milhões de pessoas em seu retorno, o que importa se matarmos cem mil pessoas em Hiroshima?

Mas João, o Revelador, está realmente tentando nos dizer que no final o Cordeiro vai se transformar na derradeira máquina de matar? Claro que não é isso o que João está dizendo!

Em primeiro lugar, devemos lembrar que toda a Revelação é comunicada em símbolos teatrais – toda ela!
  • Gafanhotos que se parecem com cavalos, com rostos humanos, cabelo de mulher e dentes de leão.
  • Um exército de dois milhões de soldados que montam cavalos com cabeça de leão, que respiram fogo e arrotam enxofre.
  • Um dragão vermelho nos céus, com sete cabeças, que varre um terço das estrelas com sua cauda.
  • Uma besta de sete cabeças, do mar, com o corpo de leopardo, pés de urso, e boca de leão.
  • Um anjo no céu, com uma foice gigante, que colhe as uvas da terra e as coloca num lagar, que gera um rio de sangue de duzentas milhas.

Estes são todos símbolos! Nenhum deles é literal! Assim como Jesus, que monta um cavalo branco voador, vestindo uma túnica encharcada de sangue, com uma espada saindo da boca, é um símbolo. A questão é: o que é João nos comunica com os seus símbolos criativos?

Para começar, o cavaleiro sobre o cavalo branco é chamado “Fiel e Verdadeiro”, e seu nome é a palavra de Deus. João não está descrevendo um evento literal no futuro, mas dando-nos uma realidade simbólica sobre o presente - João está representando o triunfo glorioso da Palavra de Deus (Jesus Cristo). Aquele que é chamado “A Palavra de Deus” não está montando o cavalo vermelho da guerra, mas o cavalo branco do triunfo. Jesus não vence o mal pela guerra, mas por sua palavra. É assim que Jesus combate sua guerra justa. Jesus não combate a guerra semelhante à besta assassina de Roma; Jesus guerreia como o Cordeiro abatido de Deus.

Como Eugene Peterson diz em “Reversed Thunder”, seu excelente livro sobre o Apocalipse: "O ardil perene é glorificar a guerra, para que possamos aceitá-la como um meio apropriado para atingir metas. Mas isso é o mal. Ela se opõe a Cristo. Cristo não monta no cavalo vermelho, nunca."

Depois de montar o jumento da paz no Domingo de Ramos, para contrastar o seu reino de paz com os impérios violentos de um mundo pagão, Jesus não se contradiz mais tarde, montando um cavalo de batalha em uma imitação exagerada de Genghis Khan.

Talvez João de Patmos espere demais dos leitores modernos, mas ele presume que vamos manter em mente que Jesus é - e sempre será - o Cordeiro abatido. Como Richard Bauckham nos lembra em sua “Teologia da Revelação”: "Quando o Cordeiro abatido é visto 'no meio do' trono divino no céu, o significado é que a morte sacrificial de Cristo pertence à maneira como Deus governa o mundo."

Cristo sempre reina a partir da cruz, nunca a partir de um helicóptero de ataque Apache!

João sublinha que Jesus reina através do auto-sacrifício, descrevendo o cavaleiro do cavalo branco como vestindo uma túnica encharcada de sangue, antes da batalha começar. O manto de Jesus é embebido em seu próprio sangue. Jesus não derramou o sangue de inimigos; Jesus derrama o próprio sangue. Este é o evangelho! O cavaleiro sobre o cavalo branco é o Cordeiro abatido, não a Besta assassina.

Para reforçar ainda mais sua posição, João nos diz que a espada que o cavaleiro usa para ferir as nações não está na sua mão, mas em sua boca. Esta não é a espada de César, mas a palavra de Deus. O Revelador assim deseja que nós não percamos este ponto, quando vem a público e nos diz: "... e seu nome é chamado ‘a Palavra de Deus’." É como quando uma charge política rotula o símbolo para se certificar de que o identificaremos corretamente. A espada não é uma espada; a espada é a palavra de Deus.

Se combinarmos todos os símbolos criativos de João, a mensagem é clara: Jesus vence a guerra pelo auto-sacrifício e com o que ele diz. Jesus combate o mal pelo co-sofrimento do amor e a palavra de Deus. Esta é a guerra justa do Cordeiro.

Os cristãos são chamados a acreditar que o co-sofrimento do amor e a palavra divina é tudo que Cristo precisa para vencer o mal. Um mundo caído - viciado em guerra - não acredita, mas os seguidores de Jesus acreditam... ou deveriam! Se Jesus vence o mal matando seus inimigos, então ele é apenas mais um César. Mas a essência do Apocalipse de João é que Jesus não é nada como César! A guerra do Cordeiro em nada se parece com a guerra da Besta. Jesus não é como César; Jesus não guerreia como César. Ignorar este ponto é não compreender tudo o que o Apocalipse está tentando revelar! A guerra do Cordeiro é a mesma guerra que o apóstolo Paulo descreve à igreja de Corinto: "Nós somos humanos, mas nós não combatemos a guerra como os humanos. Nós usamos as armas poderosas de Deus, não as armas do mundo, para derrubar as fortalezas do raciocínio humano e destruir falsos argumentos. Nós destruímos todos os obstáculos orgulhosos que mantém as pessoas afastadas do conhecimento de Deus. Nós capturamos seus pensamentos rebeldes e ensinamo-los a obedecer a Cristo. ” (2 Coríntios 10: 3-5)

Este é o tipo de guerra que está simbolicamente representado em Apocalipse com um cavaleiro em um cavalo branco chamado “A Palavra de Deus”, que usa um manto encharcado em seu próprio sangue e empreende uma guerra justa com uma espada saindo de sua boca.

Esta não é uma guerra literal, esta é uma guerra simbólica. Esta não é uma guerra futura; Cristo está travando esta guerra agora. Eu sei que Cristo está travando esta guerra agora, porque eu estou entre aqueles que foram mortos à espada da sua boca e levantado novamente para novidade de vida! Jesus me mata. Ele me mata com a sua palavra divina. E em matar-me, ele me liberta. Esta é a salvação. João, o Revelador está nos mostrando como Jesus salva o mundo, e não como Jesus mata o mundo.

O livro de Apocalipse não é onde a boa nova do evangelho morre. O livro de Apocalipse é onde a boa nova do evangelho encontra sua expressão mais criativa. Através de imagens oníricas inspiradas, João, o Revelador, se atreve a imaginar um mundo onde o pesadelo da guerra sem fim, finalmente sucumbe ao reinado pacífico de Cristo. E eu, por exemplo, acredito na visão que João teve.

O reino do mundo tornou-se agora o Reino de nosso Senhor e do seu Cristo e ele reinará para todo o sempre. - Apocalipse 11:15

Digno é o Cordeiro!