quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Assim não é, mesmo que lhe pareça



“Depois disso, aconteceu o seguinte: Acabe, rei de Samaria, tinha um palácio em Jezreel. Perto desse palácio havia uma plantação de uvas que pertencia a um homem chamado Nabote. Certo dia Acabe disse a Nabote: - Dê-me a sua plantação de uvas. Ela fica perto do meu palácio, e eu quero aproveitar o terreno para fazer uma horta. Em troca, eu lhe darei uma plantação de uvas melhor do que a sua ou, se você preferir, eu pagarei um preço justo por ela”. (I Reis 21:1-2)

 O infame rei Acabe vinha do anúncio de uma profecia que lhe anunciava a própria morte (I Reis 20). Ao recebê-la, ficou desgostoso e indignado. Voltou à Samaria com esse espírito e essa má expectativa. No entanto, passou-se algum tempo e a profecia ainda não havia se cumprido. Como não morrera até ali, seu desgosto e sua indignação foram dando lugar à empáfia e à cobiça que lhe eram usuais. Planejou então ampliar seus domínios próximos ao seu palácio, justamente nas terras pertencentes a Nabote. Como era o rei, sequer passava pela sua cabeça a possibilidade de ter sua aspiração negada por aquele a quem pertenciam as terras. Porém Nabote tinha outros pensamentos, conforme segue:

 “- Esta plantação de uvas é uma herança dos meus antepassados! - respondeu Nabote. - Que o SENHOR Deus me livre de entregá-la ao senhor! Acabe foi para casa aborrecido e com raiva por causa do que Nabote tinha dito. Ele se deitou na cama, virado para a parede, e não quis comer nada. (I Reis 21:3-4)


Tiranos não reagem bem à frustração. Estão acostumados a terem suas vontades mais superficiais atendidas. Não há limite para a sua cobiça. O peso da vontade alheia para um tirano é o zero absoluto, nada vale. Descobrir-se limitado por leis, regras e convenções gera uma frustração profunda nos tiranos. Via de regra, isso é o suficiente para que o seu julgamento veja erro na lei, engano na regra e equívoco nas convenções. Diante do obstáculo legal, infantilizam-se, tal como Acabe, criança birrenta, deitado em sua cama, de cara para a parede, de mal com o mundo, sem comer, à espera que alguém lhe venha dar atenção. A brecha está aberta para que o inimigo se infiltre e inicie seu ritual de roubo, morte e destruição. Acabe já não se lembra da profecia a seu respeito. Não há arrependimento, só cobiça frustrada. Logo ele trabalhará para que as leis, regras e convenções sejam abolidas e substituídas por sua vontade soberana. Ele escancara as portas do seu coração para que o inimigo lhe tome o poder de decisão e lhe preste um favor, que lhe custará muito caro, conforme vemos a seguir:

Então a sua esposa Jezabel foi falar com ele e perguntou: - Por que você está assim aborrecido? Por que não quer comer? Ele respondeu: - É por causa do que Nabote me falou. Eu lhe disse que queria comprar a sua plantação de uvas ou então, se ele preferisse, eu lhe daria outra em troca. Mas Nabote me disse que não me daria a sua plantação. Então Jezabel disse a Acabe, o seu marido: - Afinal de contas, você é o rei ou não é? Levante-se, anime-se e coma! Eu darei a você a plantação de uvas de Nabote, o homem de Jezreel!” (I Reis 21:5-7)

Um tirano mimado e infantilizado entrega a sua autoridade a quem quer que lhe prometa satisfazer sua vontade egoísta. Ele sequer procura saber como tal promessa se tornará realidade. Basta-lhe saber que alguém lhe trará o ambicionado brinquedo, que tanta frustração tem lhe trazido. Ele no fundo sabe que o expediente utilizado para alcançar sua meta não será lícito, mas é melhor que não “o saiba em detalhes” ou terá que se posicionar a respeito, interrompendo o fluxo de obtenção do seu desejo. Convenientemente, ele fecha os olhos para o que vai acontecer, desde que lhe tragam a notícia desejada. Pusilanimidade e hipocrisia caminham lado a lado no comportamento do tirano mimado. Ele não sabe, não quer saber e terá muita raiva de quem souber do estratagema, que é descrito a seguir:

“Então ela escreveu algumas cartas em nome de Acabe e carimbou-as com o anel-sinete dele e as mandou para as autoridades e para os líderes de Jezreel. As cartas diziam o seguinte: "Mandem avisar que vai haver um dia de jejum, reúnam todo o povo e ponham Nabote no lugar de honra. Ponham sentados na frente dele dois homens de mau caráter para acusarem Nabote de ter amaldiçoado a Deus e ao rei. Depois levem Nabote para fora da cidade e o matem a pedradas." (I Reis 21:8-10) 

Acabe cedeu sua identidade real a Jezabel. Em seu nome, foram escritos e selados com o selo real os procedimentos para o assassinato de um inocente. Em seu nome, um inocente foi condenado à morte com um propósito egoísta, de caso pensado, sem que ele intercedesse com justiça. A vida dos outros tem valor zero se confrontada aos objetivos de um tirano usado pelo inimigo. Muito provavelmente, nada disso seria feito por sua própria iniciativa. Talvez ele permanecesse ali na cama, resmungando mais algum tempo e até se conformasse com a negativa, quem sabe. Porém, uma vez cedida a autoridade ao inimigo, ele próprio se encarrega de providenciar os elementos necessários para que o seu plano de roubar, matar e destruir seja levado a cabo.

A assinatura que está lá é a de ninguém menos que o próprio rei. O inimigo age com a chancela do rei, muito embora o rei não saiba o que está para acontecer. Não tratamos aqui de um ataque exclusivo à autoridade real: outras autoridades e mesmo cidadãos comuns tem legitimado ações demoníacas simplesmente por ceder a sua assinatura, a sua permissão, a sua imagem,  o seu voto, para que o mal execute o seu festim diabólico com um rótulo de legitimidade. Quem mesmo levará a culpa no final das contas? Mas uma idéia sem executores é nada além de uma vontade. Para que idéias se tornem em ação são necessários executores, conforme descrito no texto bíblico a seguir:

“Os líderes e as autoridades de Jezreel fizeram o que Jezabel havia ordenado. Eles mandaram avisar que ia haver um dia de jejum, reuniram o povo e puseram Nabote no lugar de honra. Então, diante do povo, os dois homens de mau caráter acusaram Nabote de haver amaldiçoado a Deus e ao rei. E assim ele foi levado para fora da cidade e morto a pedradas. Depois mandaram dizer a Jezabel: - Nabote foi morto a pedradas. Logo que Jezabel recebeu o recado, disse a Acabe: - Nabote morreu. Agora vá e tome posse da plantação de uvas que ele não quis vender a você. Logo que soube que Nabote estava morto, Acabe foi até a plantação de uvas e tomou posse dela.” (I Reis 21:11-16)

Literalmente, há gente para tudo nesse mundo:

  • Há quem autorize o mal que o outro concebeu apenas para obter algo que deseja.
  • Há quem se valha da fraqueza moral da autoridade para satisfazer os seus desejos mais íntimos, como se prestasse um favor à autoridade e em nome da autoridade.
  • Há quem obedeça a ordens absurdas para demonstrar fidelidade, sem questionar a legitimidade ou a finalidade, independente do mal que daí se desdobre.
  • Não seja assim conosco, irmãos.

Muito cuidado com quem ordena, não de si mesmo, mas sempre em nome da autoridade superior. Esse vassalo se escuda na imagem do rei para realizar intentos que são seus - e não da autoridade mencionada.

Muito cuidado com o rei que se confunde com o próprio reino. Reis passam, reinos permanecem. Às vezes, não se consegue distinguir claramente entre a vontade do rei e a necessidade do reino. Para alguns reis megalômanos, isso é tremendamente conveniente. Luis XIV, rei da França, afirmou do alto de sua megalomania e soberba: “O Estado sou eu”. Sua segunda geração acabou guilhotinada anos depois, com o advento da Revolução Francesa.

Concluindo, algumas reflexões, recebidas diretamente da escrivaninha de um amado amigo e pastor, que me concedeu estudar comigo este texto:

Para os líderes:

  1. Nem todo ajuntamento de líderes do povo de Deus (Israel) é convocado com motivos santos.
  2. Nem toda convocação que um líder recebe é para ser aceita de imediato. Procure-se saber os reais motivos de sua existência.
  3. Nem toda mulher em autoridade é Jezabel, mas se alguém tem uma Jezabel sobre si, saiba discernir suas ordens para não fazer-se cúmplice e alegar "obrigação por sujeição".
Para os “Nabotes”:

  1. Nem todos sabem receber um "não" em seus planos para "o reino".
  2. Nem todos que te oferecem um lugar de honra desejam realmente te honrar.
  3. Nem todos os que te acusam tem reais motivos para fazê-lo; às vezes são apenas "ecos" de outra voz.
Para os “Acabes”:

  1. Nem todos em posição de "rei" têm capacidade para reinar.
  2. Nem todo desejo do líder máximo de alguma instituição é apropriado ou aprovado por Deus. Ás vezes é apenas "birra de criança mimada".
  3. Nem tudo que te trazem como "oferta" foi conseguido de maneira lícita aos olhos de Deus.
Que DEUS nos abençoe. Amém.

5 comentários:

  1. A plantação de uvas de Nabote!
    I Reis 21.1-16

    Definitivamente... "Olho grande mata..." rsrs; e só quem pode ver o coração do homem é Deus.

    I Reis 21. 17-29
    Por um momento Acabe se arrependeu, e Deus concedeu-lhe vida por mais um tempo. Mas... o coração de Acabe Deus sabia q não mudaria, por isso mesmo diante da sua passageira demonstração de arrependimento, Deus não voltou atrás de sua sentença, para honrar Nabote...!

    I Reis 22.5, 14, 28, 34-35, 37-38
    Três anos se passaram... Acabe foi avisado, mas continuava o mesmo, sendo responsável pela sua própria escolha.
    E tão exemplar a fidelidade e postura de Micaías, verdadeiro profeta de Deus (como vemos poucos nos dias de hoje), que não se rendeu ao espírito de engano, mesmo sendo levado ao cárcere por escolher falar a verdade...!
    E o final da história... todos já sabem...!!

    Emfim, Obedecer a Jesus Cristo: o caminho de pedras e espinhos, ainda é a melhor e certa Escolha !

    Fiquem na paz...!
    Raquel Oliveira (kel.pedagogia@gmail.com)

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  2. Caro Robson,

    Fiquei sobremodo contente com um comentário seu em um dos meus artigos no Genizah. Aproveitei para conhecer seu trabalho aqui no blog, e já estou seguindo. Excelente!

    Quero convidá-lo a conhecer o meu espaço, e se desejar também segui-lo, será uma honra. Seus comentários também serão muito bem-vindos.

    www.hermesfernandes.blogspot.com

    Te espero lá!

    Feliz Ano Novo na presença do Rei dos reis!

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  3. Blog interessante! Já estou seguindo vocês.

    Depois dê uma visitinha no meu blog e, se o conteúdo lhe agradar, sinta-se a vontade para seguir o blog.

    Um abraço!

    Eliel
    www.elielvieira.org

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  4. No seu perfil tem seu signo do Zodíaco? é intencional ou brincadeira - de muito mal gosto?

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  5. Irmão Paulo:
    Eu nem sabia que havia esse negócio de signo do Zodíaco no meu perfil! Acho que ele calcula automaticamente quando você informa sua data de nascimento. Talvez eu possa apagar a data no meu perfil, mas não sei se quero dar todo esse destaque aos místicos.
    Da minha parte, não dou importância a isso: eu não leio mesmo o horóscopo (rsrs)...
    Se alguém quiser me fazer mal sabendo o meu signo, vai acabar se decepcionando.
    Se alguém quiser se aproximar de mim se valendo do perfil do meu signo, também vai se decepcionar, pois nada disso é parâmetro diante da verdade que somos seres únicos.

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