sexta-feira, 30 de julho de 2010

Viagem a uma mina de "sal da terra"

Haveria algo mais banal que o sal na sua lista de víveres?

Em alguns lugares da Terra, obter sal é uma aventura diária, conforme demonstra o artigo  publicado pelo destemido Haroldo Castro na revista Época (disponível em http://bit.ly/avYjVw ). Então passa a fazer sentido aquele discurso de sermos o "sal da terra" (Mt 5.13), pois enquanto em algumas regiões da Terra o sal é algo banal e infelizmente chega mesmo a ser desprezado, em outras ele é digno de altos riscos e altamente desejado, porque é raro, difícil de ser obtido.

Constato que no Ocidente o sal tem sido tão banalizado, que cada vez mais as pessoas tem abandonado o sal original, optando por novas variedades de sal, que em alguns casos passam longe do sal original. É cada vez mais frequente encontrarmos novas variedades de sal nos mercados: sal diet (com menos sódio), sal com iodo, sal sem iodo, sal marinho, sal bruto, flor de sal, sal com alho, sal com pimenta, sal vitaminado (?), etc. 

Da mesma forma, assim tem sido com o "sal da terra", que deveria ser servido puro, em pequenas doses diárias, por toda a vida, até o fim da vida, mas que tem sofrido alterações na dosagem, além de adições de outros "temperos" nada saudáveis. 

Desde que Mamon passou a ter participação acionária em determinadas "salinas da terra" (leia-se: denominações religiosas e até mesmo congregações específicas dentro de denominações ditas tradicionais), o "sal da terra" tem saído de lá adulterado em sua fórmula, em quantidades cada vez mais generosas, porque espiritualmente insalubres. Algumas dessas fórmulas oferecidas por essas salinas adulteradas chegam ao ponto de só ter "sal da terra" no rótulo. 

Temos presenciado essas variações nas mesas das famílias, bem como a forma perniciosa com que essas fórmulas tem afetado a saúde espiritual dos membros dessas famílias que consomem esse sal adulterado: 
  • com fanatismo
  • com teologia da prosperidade
  • com idolatria humana (musicolatria, pastorlatria, bispolatria, apostolatria, patriarcolatria)
  • com idolatria material ou anímica (fogueiras santas, trilhas de sal, rosas ungidas, crucifixos, arcas, colunas de óleo, terra importada de Israel, mantos sagrados, etc.)
  • com religiosidade
  • com desconhecimento da Palavra
Resultado: igrejas doentes, cristãos doentes e, claro, líderes doentes, mas com os cofres abarrotados.

Atos dos Apóstolos nos relata o discurso do fariseu Gamaliel, mestre de Paulo, sobre a postura diante do que eles consideravam mais um vento de doutrina:

" Mas, levantando-se no conselho um certo fariseu, chamado Gamaliel, doutor da lei, venerado por todo o povo, mandou que por um pouco levassem para fora os apóstolos; e disse-lhes: Homens israelitas, acautelai-vos a respeito do que haveis de fazer a estes homens, porque antes destes dias levantou-se Teudas, dizendo ser alguém; a este se ajuntou o número de uns quatrocentos homens; o qual foi morto, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos e reduzidos a nada. Depois deste levantou-se Judas, o galileu, nos dias do alistamento, e levou muito povo após si; mas também este pereceu, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos. E agora digo-vos: Dai de mão a estes homens, e deixai-os, porque, se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará, mas, se é de Deus, não podereis desfazê-la; para que não aconteça serdes também achados combatendo contra Deus." (Atos 5:34-39) 


Ainda que eu saiba que DEUS está atento a isso tudo e que nada prevalecerá, preocupa-me a vida daqueles que tem sido educados segundo essas abominações doutrinárias. É importante alertá-los sobre a consequencia desses desvios. É importante alertar também aos  homens que lideram essas abominações entre o povo de DEUS sobre as consequencias de suas escolhas, pois toda a fortuna que conseguirem amealhar nesta vida não conseguirá pagar o preço pelas almas desviadas por sua ação insidiosa. Sabemos desde já que o desvio que pregam não sobreviverá a eles mesmos, mas preocupa-me o povo que bebe das suas fontes contaminadas.

Recentemente, pregando no Congresso de Jovens da Igreja Batista Monte Hermon, na Ilha de Guaratiba (RJ), alertei aqueles jovens para o texto de João 17.12, onde Jesus Cristo, orando ao Pai, esclarece que todos aqueles que estiveram sob sua responsabilidade cumpriram o propósito de DEUS em suas vidas - até mesmo aquele que se tornou em filho da perdição (Judas Iscariotes). Ou seja, todos cumpriremos o propósito de DEUS para nossas vidas, no entanto cabe a nós escolhermos entre sermos enviados ("apóstolos", no grego) para disseminar seu evangelho às nações ou sermos filhos da perdição, com todas as  consequencias associadas a cada escolha.

Qual tem sido a sua escolha?

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A expedição “Luzes da África” terminou, mas a vontade de contar histórias sobre a jornada continua viva. Talvez seja minha maneira de esticar ainda mais essa viagem inesquecível. A cada dia que passa, me dou conta que as 50 crônicas que já escrevi representam apenas a “pontinha da duna” desse périplo – convenhamos que não dá para usar a metáfora “ponta do iceberg” na África.
Uma das experiências inesperadas na Etiópia foi a visita a uma cratera de um vulcão, no último dia de estadia no país. Chegar ao vilarejo El Sod (o nome vem de “soda”) foi um desafio para nosso “amigo” Odé. Não apenas nosso GPS não conhecia o lugar como cismava em dizer que a estrada (de 15 km, que saia da rodovia principal) não existia. Tivemos de recorrer ao velho sistema de ir perguntando onde ficava o vilarejo. Mesmo sem a ajuda de 10 satélites, chegamos ao local e nossa presença atraiu imediatamente dezenas de crianças, ritual constante na Etiópia.
Esquivando-nos da molecada que oferecia de tudo – até mesmo buscar um refrigerante na vendinha – descobrimos a borda da cratera. Lá embaixo, a uns 350 metros de desnível, um lago escuro. Enquanto discutimos se vale ou não a pena descer – teríamos tempo de atravessar a fronteira ainda hoje? – chega um grupo de adultos.
El Sod é um dos quatro vulcões no sul do país que possui grande quantidade de sal na sua cratera. O lago de 800 metros de diâmetro contem sal preto.
Doba Barako explica que a visita da cratera só pode ser feita, por questões de segurança, com um dos guias da associação criada recentemente com essa finalidade. Aceitamos a proposta, mas insistimos que nosso condutor falasse algumas palavras de inglês para que pudéssemos aproveitar um pouco mais do local. Essa exigência criou certo rebuliço, pois, nessa região isolada do país, raras são as pessoas que falam um idioma ocidental. Doba, um dos chefes da associação, achou que seu inglês chamuscado seria a melhor solução e decidiu fazer conosco a caminhada de 2 km.
A trilha é estreita e dividimos o espaço com dezenas de burros que baixam sem carga, ultrapassando-nos sem piedade. Também encontramos muitos asnos que sobem a encosta, carregando no dorso dois pesados sacos pretos, de 25 quilos cada um. Dentro, uma lama negra, bem pegajosa, com um cheiro forte de minério.
Cada burro transporta duas sacolas de sal preto desde a cratera até o vilarejo, no topo.
À medida que descemos, entendemos melhor a operação. Homens, com bolas de algodão tapando as narinas e os ouvidos, entram na água negra e espessa para retirar enormes pedaços de lama salgada. Eles usam uma longa vara, chamada dongora, para soltar esses fragmentos do fundo do lago e, em seguida, mergulham a 5 ou 10 metros de profundidade para encontrar o produto. Esses “mergulhadores do sal” são chamados de lixu e geralmente fazem seu trabalho sem roupa.
A lama é transportada até a beira do lago em bacias de plástico e depois é ensacada. No fundo da cratera, cada saco de 25 quilos vale 50 birr (menos de 7 reais), mas o mesmo produto é vendido por 17 reais na cidade vizinha. Essa pasta de sal preto é considerada como um excelente alimento para camelos e outros animais domésticos.
Um lixu (ou “mergulhador do sal”) carrega nos braços uma bola de lama salgada. O produto é vendido e ensacado na hora.
Doba Barako explica que, como estamos na época das chuvas, o lago está cheio de água. “Apenas os homens com grande experiência podem descer ao fundo para encontrar o sal preto, misturado com lama e outros minerais”, afirma o chefe da associação de guias. “Mas na época da seca, encontramos cristais brancos do mesmo sal”.
Difícil acreditar que o local possa produzir produtos tão diferentes, mas todos insistem que, quando há pouca água, o local é bem mais acolhedor. “Essa cratera tem sido nossa principal fonte de renda durante muitas gerações. Nossos avós e bisavós tiravam sal daqui”, diz Doba. “Queremos agora que o sal – seja preto ou branco – possa também trazer outros visitantes que queiram conhecer o lugar”.
Retirar o sal preto do fundo do lago da cratera é uma atividade tradicional da comunidade El Sod.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Os Limites do Mundo Codificado

Traduzido em primeira mão para voces, direto do NY Times.

Para quem se inquieta com os livros de Dan Brown ("O Código da Vinci", "Anjos e Demonios", "O Símbolo Perdido"), mais uma experiencia científica muito bem analisada, sobre a tentativa do homem em descobrir se temos de fato livre-arbítrio - ou não, como diria Caetano. 

É possível que Dan Brown - ou similar - daqui a pouco utilize sua verve literária e distorça as conclusões de William Egginton num novo best-seller, onde cientistas patrocinados pelo Vaticano descobrem "O Código dos Códigos", onde computadores passarão a prever a decisões tomadas pelos homens e então, uma nova conspiração mundial entrará em cena, com Tom Hanks mais uma vez interpretando o ateu que salva o mundo da sua própria incapacidade de entender algo que René Descartes provou pela Lógica: há um Ser Superior que não conseguimos alcançar totalmente com nosso raciocínio humano.

Boa leitura. Boa reflexão.

Em Cristo,
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Os Limites do Mundo Codificado

William Egginton

Em um influente artigo no Annual Review of Neuroscience, Joshua Gold, da Universidade da Pensilvânia e Shadlen Michael, da Universidade de Washington resume experimentos que visam descobrir as bases neurais de tomada de decisão. Em um conjunto de experimentos, os pesquisadores inseriram sensores nas partes responsáveis por reconhecimento de padrões visuais dos cérebros de macacos. Os macacos foram ensinados a responder a uma sugestão ao optar por olhar para um dos dois padrões. Computadores lendo os sensores foram capazes de registrar a decisão a uma fração de segundo antes dos olhos do macaco se virarem para o padrão. Como os macacos não deliberam, mas sim reagem a estímulos visuais, os pesquisadores foram capazes de afirmar de forma plausível que o computador pode predizer com sucesso a reação dos macacos. Em outras palavras, o computador estava lendo as mentes dos macacos e sabia antes o que eles tomariam como sendo a sua decisão.

Nós não temos nenhuma razão para supor que qualquer previsibilidade ou falta de previsibilidade tem algo a dizer sobre livre-arbítrio.

As implicações são imediatas. Se os investigadores podem, em teoria, prever o que os seres humanos decidirão antes deles próprios saberem, o que resta da noção de liberdade humana? Como podemos dizer que os seres humanos são livres de qualquer forma significativa, se os outros podem saber quais serão suas decisões, antes deles mesmos as tomarem?

Investigações deste tipo podem parecer assustadoras. Um experimento que demonstre a natureza ilusória da liberdade humana, na mente de muitas pessoas, roubaria dos indivíduos do teste algo essencial para a sua humanidade.

Se uma máquina pode me dizer o que estou prestes a decidir antes que eu decida, isto significa que, em certo sentido, a decisão já estava tomada antes de eu me tornar conscientemente envolvido. Mas se for esse o caso, como poderei eu, como agente moral, ser responsabilizado pelas minhas ações? Se, no limite de uma decisão moral importante, agora eu sei que minha decisão já foi tomada no momento em que eu me achava por decidir, isto não prejudica a minha responsabilidade por essa escolha?

Pode-se concluir que a resistência a tais resultados revelam um viés religioso. Afinal, a capacidade de decidir conscientemente é essencial em muitas religiões para a manutenção da idéia de seres humanos como seres espirituais. Sem liberdade de escolha, uma pessoa torna-se uma roda dentada na máquina da natureza, com ação e escolha predeterminados. Moral e, finalmente, o próprio sentido da existência da pessoa, ficam em frangalhos.

Teólogos passaram uma grande parte do tempo ruminando sobre o problema da determinação. A resposta católica para o problema teológico da teodicéia - ou seja, de como explicar a existência do mal num mundo governado por um Deus benevolente e onipotente - foi a de ensinar que Deus criou o homem com livre-arbítrio. É só porque o mal existe que os seres humanos são livres para escolher entre o bem e o mal. Portanto, a escolha para o bem tem um significado. Como os teólogos no Concílio de Trento, no século 16 colocam, a liberdade da vontade é essencial para a fé cristã, e é um anátema acreditar no contrário. Teólogos protestantes, como Lutero e Calvino, a quem coube responder à declaração de Trento, contestaram esta ideia com base na onisciência de Deus. Se a habilidade de Deus para saber fosse realmente ilimitada, eles argumentaram, então seu conhecimento do futuro seria tão mais claro e perfeito como o seu conhecimento do presente e do passado. Se fosse esse o caso, no entanto, Deus já sabe o que cada um de nós fez, está fazendo e vai fazer em cada momento de nossas vidas. E como, então, podemos ser verdadeiramente livres?

Mesmo que essa resistência particular para um modelo determinista do comportamento humano seja religioso, pode-se facilmente chegar ao mesmo tipo de conclusões a partir de uma perspectiva científica. Na verdade, quando a religião e a ciência esquadrinham em torno da liberdade humana, muitas vezes acabam em terrenos muito semelhantes, pois tanto a ciência como a religião baseiam seus pressupostos no entendimento idêntico do mundo como algo intrinsecamente cognoscível, seja por Deus ou por nós mesmos.

Enquanto nossos sentidos só podem nos trazer conhecimentos reais sobre como o mundo aparece no tempo e no espaço, a nossa razão sempre se esforça para saber mais.

Deixe-me explicar o que quero dizer por meio de um exemplo. Imagine que suspender uma esfera de aço de um ímã diretamente acima de uma placa de aço vertical, de modo que quando eu desligo o ímã, a bola bate na borda da placa e cai para um lado ou outro dela.

Pouquíssimas pessoas, tendo aceitado as premissas do presente experimento, poderiam concluir a partir do seu resultado que a bola em questão estava exibindo o livre-arbítrio. Se a bola cair em um ou outro lado da chapa de aço, todos nós podemos concordar confortavelmente, que isso é completamente determinado pelas forças físicas que agem sobre a bola, que são simplesmente demasiado complexas e minuciosas para nós monitorarmos.

E ainda não temos nenhum problema assumindo o oposto como verdadeiro para a aplicação do experimento com os macacos para humanos teóricos, a saber: porque as ações dos macacos são previsíveis, pode-se presumir a falta de livre-arbítrio. Em outras palavras, nós não temos razão alguma para supor que qualquer previsibilidade ou falta de previsibilidade tem algo a dizer sobre a livre-arbítrio. O fato de que fazemos essa associação tem mais a ver com o modelo do mundo que nós importamos sutilmente em experimentos com esse pensamento do que com as experiências em si.

O modelo em questão sustenta que o universo existe no espaço e no tempo como uma espécie de código final que pode ser decifrado. Esta imagem do universo tem uma origem filosófica e religiosa, e fez o seu caminho em crenças e práticas seculares também. No caso da liberdade humana, essa presunção de um "código de códigos” opera convencendo-nos que a previsão de alguma forma decodifica ou decifra um futuro que já existe em uma forma codificada.

Assim, por exemplo, quando os computadores leem os sinais provenientes do cérebro dos macacos e fazem uma previsão, a crença no “Código de códigos” influencia a forma como nós interpretamos o evento. Em vez de interpretar a previsão como ela é - uma declaração sobre o processo neural que leva a ações dos macacos - nós extrapolamos sobre um suposto futuro como se já estivesse escrito, e tudo que nós estávamos fazendo era lê-lo.

Em minha opinião, o filósofo que deu a resposta mais completa a esta pergunta foi Immanuel Kant. Na opinião de Kant, o principal erro que os filósofos antes dele tinham cometido, quando consideraram como os seres humanos poderiam ter o conhecimento exato do mundo, foi esquecer a diferença necessária entre o conhecimento e o sujeito real desse conhecimento. À primeira vista, isso pode não parecer uma coisa muito fácil de esquecer: por exemplo, o que os nossos olhos nos dizem sobre um arco-íris e o que esse arco-íris é realmente são coisas completamente diferentes. Kant argumentava que a nossa incapacidade de compreender esta diferença foi ainda mais abrangente e teve conseqüências maiores do que qualquer um poderia ter pensado.

A crença de que nossa pesquisa empírica do mundo e do cérebro humano jamais poderia erradicar a liberdade humana é um erro.

Tomando novamente o exemplo do arco-íris, Kant diria que, enquanto a maioria das pessoas simplesmente aceitaria a diferença entre a gama de cores que nossos olhos percebem e a refração da luz que causa este fenômeno ótico, eles ainda manteriam que a observação mais cuidadosa poderia realmente levar alguém a conhecer o arco-íris como realmente é, para além da sua manifestação perceptível. Esse entendimento comum, segundo ele, estava na raiz de nossa tendência a cair profundamente em erro, não apenas sobre a natureza do mundo, mas sobre o que fomos levados a acreditar sobre nós mesmos, Deus, e nosso dever para com os outros.

O problema é que enquanto nossos sentidos só podem nos trazer sempre conhecimento verificável sobre como o mundo parece no tempo e no espaço, a nossa razão sempre se esforça para saber mais do que as aparências podem mostrá-lo. Esta tendência da razão de sempre saber mais é - e foi - uma coisa boa. É por isso que a espécie humana é sempre curiosa, sempre progredindo com o conhecimento e realizações cada vez maiores. Mas se não for temperada por uma relação de seus limites e uma compreensão de suas tendências inatas a exagerar, a razão pode nos induzir ao erro e ao fanatismo.

Vamos voltar ao exemplo do experimento de prever as decisões dos macacos. O que a experiência nos diz que nada mais é do que o processo de tomada de decisão dos macacos move através do cérebro, e que a nossa tecnologia nos permite obter uma leitura daquela atividade mais rápido do que o cérebro dos macacos pode colocá-la em ação. A partir desse resultado relativamente simples, podemos ver agora que presumimos a partir de uma série não justificada de enigmas e não tivemos grandes tiradas. E a razão pela qual presumimos assim era porque nós inquestionavelmente traduzimos algo desconhecido - a extensão de tempo, incluindo o futuro dos macacos, a partir de ações não decididas e não realizadas - em um cenário puro que só precisava ser decodificado para ser experimentado. Nós tratamos o futuro como se já tivesse acontecido e, portanto, como uma série de eventos que podem ser lidos e narrados.

De uma perspectiva kantiana, com este simples ato permitimos que a razão ultrapassasse os seus limites, e como resultado, caímos no erro. O erro em que caímos foi, especificamente, acreditamos que nossa pesquisa empírica do mundo e do cérebro humano poderia erradicar a liberdade humana.

Este, então, é o motivo, tão "irresistível" quanto a sua lógica possa parecer, pelo qual nenhuma das versões do argumento básico de Galen Strawson para o determinismo, que ele descreveu em “A Pedra” na semana passada, ter qualquer relevância para a liberdade humana ou a responsabilidade.

Segundo esta lógica, a responsabilidade deve ser ilusória, porque, para ser responsável, em determinado momento, um agente deve também ser responsável pela forma como ele ou ela se tornou como ele ou ela está naquele momento, o que inicia uma regressão infinita, porque em nenhum ponto pode uma pessoa ser responsável por todas as forças culturais e genéticas que a produziram como ele ou ela é.

Mas essa lógica não é senão uma versão filosófica do código dos códigos, que pressupõe que a história da soma de forças que determina um indivíduo existe como uma espécie de catálogo legível potencial.

O ponto a salientar, contudo, é que este catálogo não é legível mesmo em teoria, para ser conhecido que assume uma espécie de conhecedor ilimitado por tempo e espaço, um conhecedor que pode estar presente em todas as perspectivas possíveis a cada momento decisório possível na pré-história e história de um agente. Tal conhecedor, é claro, só poderia ser algo na linha do que as tradições monoteístas chamam de DEUS. Mas, como Kant esclarece, não faz sentido pensar em termos de ética ou responsabilidade, ou liberdade quando se fala de DEUS. Fazer escolhas éticas, ser responsável por elas, ser livre para escolher mal, tudo isso requer precisamente o tipo de ser que é limitado pela opacidade mínima que define nosso tipo de saber.

Tanto quanto devemos a natureza de nossa existência atual às forças da evolução que Darwin certa vez descobriu, ou às culturas onde crescemos, ou aos estados químicos que afetam nossos processos cerebrais a qualquer momento, nada disso impacta sobre a nossa liberdade. Sou livre porque nem a ciência, nem a religião, podem sempre dizer com certeza como o meu futuro vai ser e o que devo fazer sobre isso. A máxima de Sartre que Strawson citou, assim fica exatamente correta: “Eu estou condenado à liberdade. Eu não sou livre porque posso fazer escolhas, mas porque devo fazê-las, o tempo todo, mesmo quando eu acho que não tenho nenhuma escolha a fazer”.

William Egginton é Professor de Humanidades da Universidade John Hopkins. Seu próximo livro, "Uma fé incerta: ateísmo, fundamentalismo, religioso e moderação", será publicado pela Columbia University Press em 2011.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Copa e o Complexo de Viralata

Prezados líderes:


Atentem para o fato de que voces SEMPRE terão, entre aqueles que assistem o desenrolar da sua performance diária:

  1. Aqueles que aplaudem e assobiam entusiasticamente enquanto tudo dá certo e passam a apupar e atirar ovos podres e tomates quando acontece a sua primeira bola na trave. Como membros da equipe, só os reconhecemos de fato quando algo indica a probabilidade de dar errado, pois este é o momento em que automaticamente largam suas ferramentas, tiram as mãos dos remos e se calam, esperando a definição da tragédia. São adesistas de primeira hora, mas também são os primeiros a abandonar o projeto ou a causa, optando por algo de mais destaque no momento.
  2. Aqueles para quem nada, nunca, está certo e nada, nunca, funcionará.Estatísticos que são, sabem que ser humano nenhum é perfeito e portanto, sabem que um dia eles estarão certos em seu amargor rotineiro, quando então levantarão aquela placa que sempre carregam consigo, com os dizeres "EU JÁ SABIA!". Como membros de equipe, murmuram enquanto trabalham, inoculando seu veneno em doses generosas nos outros membros da equipe. Se confrontados, nunca tem comentário a fazer, permanecendo de cabeça baixa, acumulando seus ressentimentos por terem sido convidados a opinar num momento que julgam inadequado - cedo demais para que saibam o que opinar ou tarde demais para que algo possa ser feito a partir da sua sempre sábia opinião. Depender da opinião de um desses é estar sempre inadequado ao momento, pois nunca haverá solução possível saindo daquela pobre cabeça, a não ser o fato de que nada está como deveria ser. 

Muito provavelmente, muitos de nós já nos deparamos com um desses tipos em nossas equipes ou platéias. Com Dunga, Felipão, Zagallo e Andrade não foi diferente. A auto-estima do brasileiro merece um estudo de caso, pois conforme dizia Nelson Rodrigues, "o brasileiro médio sofre do Complexo de Viralata", ou seja:: 

  • só o primeiro lugar importa; 
  • o segundo colocado nada mais é do que o primeiro dos perdedores; 
  • a vida só faz sentido com uma vitória esmagadora por dia ou então 
  • merecemos ser escorraçados como cães lazarentos. 
Definitivamente, a vida não é assim. Viver assim adoece e mata de frustração.


Esta noção tem feito a fortuna de apústulas (apóstolos da doença) e putriarcas (patriarcas da podridão) no mundo inteiro, que tem se locupletado dos bolsos dos rebanhos, enquanto berram a plenos pulmões que "DEUS lhe dará, se voce der - e mais lhe dará, se voce der mais! Não aceite de DEUS nada menos que a vitória esmagadora e imediata!". Não é exclusividade dos brasileiros, portanto.

Dentre os mais de 140 países afiliados à FIFA, ficamos entre os oito melhores. Mais de 130 países tiveram desempenho aquém do nosso - países tradicionalmente fortes como Itália e França! Perdemos por um gol de diferença. Nuestros hermanos del Plata caíram de quatro ante os alemães e ainda assim foram recebidos como heróis en su terramadre. Nós desejávamos a forca para os "desgraçados" que nos expuseram à desonra de estamos entre os melhores, mas não sermos absolutamente os melhores dentre os melhores. 


Pobres viralatas, carentes de auto-afirmação diária, com as costelas a furar-lhes o couro pelo ouro não conquistado - de que lhes adiantam a prata e o bronze? 


Pobres viralatas, crentes na mentira penta-secular da predestinação de campeões invencíveis, que não tem que galgar a montanha passo a passo, pois já nasceram no topo dela! Ao que julga estar de pé, cuide para que não caia. Ao que está no topo, cuide para que não escorregue - a descida é íngreme e escarpada, fala aquele que já escorregou do topo.

O dia em que aprendermos a trilhar o caminho onde o revés ensina a triunfar além da humilhação, seremos então bem mais felizes e realmente vencedores.