A expedição “Luzes da África” terminou, mas a vontade de contar histórias sobre a jornada continua viva. Talvez seja minha maneira de esticar ainda mais essa viagem inesquecível. A cada dia que passa, me dou conta que as 50 crônicas que já escrevi representam apenas a “pontinha da duna” desse périplo – convenhamos que não dá para usar a metáfora “ponta do iceberg” na África.
Uma das experiências inesperadas na Etiópia foi a visita a uma cratera de um vulcão, no último dia de estadia no país. Chegar ao vilarejo El Sod (o nome vem de “soda”) foi um desafio para nosso “amigo” Odé. Não apenas nosso GPS não conhecia o lugar como cismava em dizer que a estrada (de 15 km, que saia da rodovia principal) não existia. Tivemos de recorrer ao velho sistema de ir perguntando onde ficava o vilarejo. Mesmo sem a ajuda de 10 satélites, chegamos ao local e nossa presença atraiu imediatamente dezenas de crianças, ritual constante na Etiópia.
Esquivando-nos da molecada que oferecia de tudo – até mesmo buscar um refrigerante na vendinha – descobrimos a borda da cratera. Lá embaixo, a uns 350 metros de desnível, um lago escuro. Enquanto discutimos se vale ou não a pena descer – teríamos tempo de atravessar a fronteira ainda hoje? – chega um grupo de adultos.
El Sod é um dos quatro vulcões no sul do país que possui grande quantidade de sal na sua cratera. O lago de 800 metros de diâmetro contem sal preto.Doba Barako explica que a visita da cratera só pode ser feita, por questões de segurança, com um dos guias da associação criada recentemente com essa finalidade. Aceitamos a proposta, mas insistimos que nosso condutor falasse algumas palavras de inglês para que pudéssemos aproveitar um pouco mais do local. Essa exigência criou certo rebuliço, pois, nessa região isolada do país, raras são as pessoas que falam um idioma ocidental. Doba, um dos chefes da associação, achou que seu inglês chamuscado seria a melhor solução e decidiu fazer conosco a caminhada de 2 km.
A trilha é estreita e dividimos o espaço com dezenas de burros que baixam sem carga, ultrapassando-nos sem piedade. Também encontramos muitos asnos que sobem a encosta, carregando no dorso dois pesados sacos pretos, de 25 quilos cada um. Dentro, uma lama negra, bem pegajosa, com um cheiro forte de minério.
Cada burro transporta duas sacolas de sal preto desde a cratera até o vilarejo, no topo.À medida que descemos, entendemos melhor a operação. Homens, com bolas de algodão tapando as narinas e os ouvidos, entram na água negra e espessa para retirar enormes pedaços de lama salgada. Eles usam uma longa vara, chamada dongora, para soltar esses fragmentos do fundo do lago e, em seguida, mergulham a 5 ou 10 metros de profundidade para encontrar o produto. Esses “mergulhadores do sal” são chamados de lixu e geralmente fazem seu trabalho sem roupa.
A lama é transportada até a beira do lago em bacias de plástico e depois é ensacada. No fundo da cratera, cada saco de 25 quilos vale 50 birr (menos de 7 reais), mas o mesmo produto é vendido por 17 reais na cidade vizinha. Essa pasta de sal preto é considerada como um excelente alimento para camelos e outros animais domésticos.
Um lixu (ou “mergulhador do sal”) carrega nos braços uma bola de lama salgada. O produto é vendido e ensacado na hora.Doba Barako explica que, como estamos na época das chuvas, o lago está cheio de água. “Apenas os homens com grande experiência podem descer ao fundo para encontrar o sal preto, misturado com lama e outros minerais”, afirma o chefe da associação de guias. “Mas na época da seca, encontramos cristais brancos do mesmo sal”.
Difícil acreditar que o local possa produzir produtos tão diferentes, mas todos insistem que, quando há pouca água, o local é bem mais acolhedor. “Essa cratera tem sido nossa principal fonte de renda durante muitas gerações. Nossos avós e bisavós tiravam sal daqui”, diz Doba. “Queremos agora que o sal – seja preto ou branco – possa também trazer outros visitantes que queiram conhecer o lugar”.
Retirar o sal preto do fundo do lago da cratera é uma atividade tradicional da comunidade El Sod.
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